A Reencarnação

Revista Espírita, outubro de 1860

(Pelo Sr. de Grand-Boulogne, médium.)

       Há, na doutrina da reencarnação, uma economia moral que não escapa à tua inteligência.

       Só a corporeidade sendo compatível com os atos de virtude, e estes atos sendo necessários ao adiantamento do Espírito, este deve raramente encontrar, numa só existência, as circunstâncias necessárias à sua melhoria acima da Humanidade.

       Estando admitido que a justiça de Deus não pode se misturar com as penas eternas, a razão deve concluir pela necessidade: 1a de um período de tempo durante o qual o Espírito examina o seu passado, e. forma as suas resoluções para o futuro; 29 de uma existência nova em harmonia com o adiantamento desse Espírito. Não falo de suplícios, algumas vezes terríveis, aos quais são condenados certos Espíritos durante o período da erraticidade, eles respondem de uma parte pela enormidade da falta, de outra pela justiça de Deus. Isto é dito bastante para dispensar e dar detalhes que encontrará, aliás, no estudo das evocações. Retornando às reencarnações, delas compreenderás a necessidade por uma comparação vulgar, mas impressionante de verdade.

       Depois de um ano de estudos, que ocorre ao jovem colegial? Se progredir, passa para uma classe superior; se permaneceu imóvel na sua ignorância, ele recomeça a sua classe. Vai mais longe; supõe faltas graves: ele é expulso; pode errar de colégio em colégio; pode ser expulso da Universidade, e pode ir da casa de educação para a casa de correção. Tal é a imagem fiel da sorte dos Espíritos, e nada satisfaz mais completamente a razão. Quer se escavar mais profundamente a doutrina? Ver-se-á o quanto, nestas ideias, a justiça de Deus parece mais perfeita e mais conforme às grandes verdades que dominam a nossa inteligência.

      No conjunto, como nos detalhes, há alguma coisa de tão surpreendente que o Espírito nelas iniciado pela primeira vez está como iluminado. E as censuras murmuras contra a Providência, e as maldições contra a dor, e o escândalo do vício feliz em face da virtude que sofre, e a morte prematura da criança; e, numa mesma família, encantadoras qualidades dando, por assim dizer, a mão a uma perversidade precoce; e as enfermidades que datam do berço; e a diversidade infinita dos destinos, seja entre os indivíduos, seja entre os povos, problemas não resolvidos até este dia, enigmas que fizeram duvidar da bondade e quase da existência de Deus, tudo isso se explica ao mesmo tempo. Um puro raio de luz se estende sobre o horizonte da filosofia nova, e no seu quadro imenso, se agrupam harmoniosamente todas as condições da existência humana. As dificuldades se nivelam, os problemas se resolvem, e os mistérios impenetráveis até este dia se resumem e se explicam nesta única palavra: reencarnação.

       Eu li em teu pensamento, caro cristão; tu dizes: eis, desta vez, uma verdadeira heresia. Não mais, meu filho, do que a negação da eternidade das penas. Nenhum dogma prático é contraditório com esta verdade. O que é a vida humana? O tempo durante o qual o Espírito permanece unido a um corpo. Os filósofos cristãos, no dia marcado por Deus, não terão nenhuma dificuldade de dizer que a vida é múltipla. Isso não acrescenta e nem muda nada em vossos deveres. A moral cristã permanece de pé, e a lembrança da Missão de Jesus plana sempre sobre a Humanidade. A religião nada tem a temer desse ensinamento, e não está longe o dia em que os seus ministros abrirão os olhos à luz; reconhecerão, enfim, na revelação nova, os recursos que, do fundo das suas basílicas, eles imploram do céu. Creem que a sociedade vai perecer: ela vai ser salva.

ZÉNON.

Allan Kardec  -  Revista Espírita de outubro de 1860

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